Em entrevista à CARAS Brasil, o veterano Guti Fraga relembra criação do Nós do Morro, projeto social que forma jovens do Vidigal como artistas
Publicado em 29/05/2025, às 17h32
Guti Fraga (73) tem uma carreira extensa como ator, mas além dos diversos trabalhos na televisão e no teatro, o artista veterano se destaca como um dos criadores do Nós do Morro, projeto social que transforma jovens do Vidigal em artistas através do ensino de teatro. Em entrevista à CARAS Brasil, Fraga compartilha as origens de projeto que já relevou estrelas como Juan Paiva (27): "Transformação social", declara.
Guti Fraga não é apenas um nome conhecido por suas atuações na televisão e no teatro brasileiro. Ele é, sobretudo, um agente de transformação social. Ao relembrar a gênese do Nós do Morro, projeto cultural fundado em 1986 no alto do morro do Vidigal, Guti retorna a um tempo em que sua própria vida transitava entre sonhos, universidades e pranchas de teatro improvisadas.
“A motivação para iniciar o Nós do Morro veio em um momento de sonhos e possibilidades”, conta. “Eu comecei a fazer teatro em Goiânia no início de 1970, e em 1976 me mudei para o Rio.”
Foi no dia a dia da comunidade que Guti percebeu uma ausência de oportunidades. “Comecei a ter amigos e perceber que a maioria não saía da comunidade. O Vidigal tem uma prainha linda, escola local, então ninguém saía. Notei que estava faltando alguma coisa para os jovens”. A inquietação foi plantada ali, entre conversas com vizinhos e vivências no morro, e germinou anos depois, com força total.
Mesmo mergulhado em experiências enriquecedoras ao lado de figuras como Augusto Boal (1931-2009) e Domingos Oliveira (1936-2019), Guti nunca se desconectou do Vidigal. Depois de participar de montagens importantes e dividir a cena com Marília Pêra (1943-2015) — com quem trabalhou por cinco anos — foi uma viagem para Nova York que acendeu o estalo definitivo.
“Eu ia pra Off-Broadway e via teatro que cabia dez pessoas. Era um poste, uma placa, um teatro. Percebi acessibilidade a todos, e aquilo mexeu com a minha cabeça. Pensava nos meus amigos do Vidigal, que não tinham acesso a nada", relembra.
Ao retornar ao Brasil, a ideia do Nós do Morro deixou de ser apenas uma vontade. “Falei com o Fred Pinheiro, que era iluminador da Marília, e perguntei: ‘Fred, se eu fundar um projeto de teatro no Vidigal, você topa dar uma força pra mim?’”. Vieram os convites aos amigos da comunidade — Luiz Paulo, Fernando Mello, Maria José — e, pouco a pouco, o sonho tomou forma: “Eu já tinha na minha cabeça várias pessoas que queriam fazer teatro e fui chamando".
O nascimento do projeto foi marcado por alguns desafios. “Parei de trabalhar com a Marília e fundei o Nós do Morro em 1986. O maior desafio foi a sobrevivência”, revela. O suporte veio do trabalho em equipe e de conexões: “Sou grato a vários produtores de elenco da Globo que sempre chegavam junto e davam participações em novelas. Isso nos garantia um mínimo de sobrevivência".
O impacto do Nós do Morro, segundo Guti, foi imediato e profundo. “Abrimos um leque de possibilidades. Tanto como atores, como técnicos de teatro, mas foi aberta uma porta onde as pessoas descobriram seus sonhos". Para Guti, o teatro foi mais que uma formação artística: foi um convite à vida plena. “Por isso, sempre digo: o homem sem sonhos é como um pássaro de asas quebradas.”
A transformação, segundo ele, foi também simbólica. “O Nós do Morro tem várias quebras de barreiras bem significativas". O projeto extrapolou fronteiras e promoveu intercâmbios culturais que levaram jovens do Vidigal a dialogar com o mundo. “Participamos de um filme com jovens da Alemanha, França, Portugal, Colômbia. A gente falava sobre estereótipos de outros países. Até fizemos obras completas de Shakespeare com o Royal Shakespeare Company. Isso é histórico".
Hoje, nomes como o de Juan Paiva — protagonista de novelas da Globo e astro de cinema — são exemplos visíveis do que o Nós do Morro tornou possível. Mas para Guti, a verdadeira conquista está na semente plantada: “A maior crítica de teatro brasileiro esteve lá no Vidigal. A primeira matéria foi da Tania Brandão no jornal O Globo, depois veio a Bárbara Heliodora", comemora o começo do reconhecimento do projeto que continua transformando vidas no Vidigal.
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