Em entrevista à CARAS Brasil, Beth Zalcman compartilha detalhes da preparação para viver seis personagens históricas cercadas pelo feminismo em Ânima
Publicado em 21/05/2025, às 14h48
Beth Zalcman (64) segue em cartaz com Ânima, peça que conta a história de seis personalidades femininas que mudaram o curso da história, em São Paulo até o dia 21 de junho. No teatro, a atriz encarna e se aprofunda nas histórias de Joana d’Arc, Hipátia de Alexandria, Marguerite Porete, Helena Blavatsky, Harriet Tubman e Simone Weil enquanto tece o fio do destino como uma anciã. Em entrevista à CARAS Brasil, Beth compartilha a responsabilidade de dar vida a essas mulheres históricas: "Falar da alma feminina", declara.
Com Ânima, Beth Zalcman encara um dos desafios mais simbólicos de sua carreira: viver, num só corpo e num mesmo espetáculo, seis figuras históricas femininas que marcaram o mundo com coragem, espiritualidade e consciência. O espetáculo, com texto original de Lúcia Helena Galvão (61) e direção de Luiz Antônio Rocha (57), costura as vidas e vozes de Joana d’Arc, Hipátia de Alexandria, Marguerite Porete, Helena Blavatsky, Harriet Tubman e Simone Weil — todas sob a mediação poética de uma personagem-timoneira, a Tecelã, que entrelaça tempo, espaço e memória.
Ao encarnar essas mulheres, Beth mergulha em camadas profundas da existência, ultrapassando a mera caracterização. “Levar essas seis mulheres de tempos tão distintos, com tarefas e atividades tão diferentes… ter a possibilidade de tocar essas experiências através do meu corpo, da minha voz, da minha sensibilidade… isso é místico”, compartilha. A atriz reconhece que, em cena, não está apenas dramatizando biografias, mas servindo de canal para a força dessas figuras femininas. “A peça fala da alma feminina. E tudo que vai além de uma existência traz o que é místico, divino. Ânima é inspirada na frase de uma filósofa que fala: 'Desde sempre para sempre, toda mulher tem parentesco com a primeira estrela brilhante que levou luz ao azul profundo do céu”.
Ela recorda que muitas das personagens não eram conhecidas do grande público — e algumas, nem dela própria. Mas cada descoberta trouxe uma forma única de atuar. “Essas mulheres estão recheadas de força, de uma consciência do papel delas no mundo. E isso atravessa o tempo. Olhamos essas histórias hoje e percebemos que elas ainda têm função. Elas nos tocam com coragem, discernimento, amor à humanidade.”
No universo de Ânima, o teatro é apresentado como um “oceano de possibilidades”. Para Beth, essa definição reflete a essência de seu ofício. “O teatro permite que eu esteja em todos os tempos e espaços ao mesmo tempo: presente, passado e futuro”, diz. Mesmo com a inserção de elementos tecnológicos na encenação — como o uso simbólico de um drone para trazer uma carta escrita por uma mulher escravizada à cena —, a atriz reforça que a técnica não muda o ofício do ator. “A tecnologia não modifica a minha forma de atuar. Cabe trazer para o palco Tudo, de todos os tempos, de todos os espaços. Trazer a tecnologia não modifica o ator. Acho que o teatro pode dar um novo sentido à tecnologia”.
A ideia do drone, inclusive, nasceu de uma provocação cênica: “Foi no meio de uma polêmica, de uma questão sobre uma cena, e surgiu a ideia da carta trazida pelo drone. Um alerta talvez de que a tecnologia não vai mudar o mundo — é a gente mesmo.”
É com respeito e reverência que Beth se entrega à missão de dar vida a essas seis mulheres. “Saio da frente, porque quem tem que falar são elas. Eu não teria a profundidade e essa experiência que elas tiveram na vida para poder opinar no texto ou na interpretação. O que faço e posso é me entregar verdadeiramente para interpretá-las e fazê-las com dignidade".
Cada apresentação, segundo ela, toca de maneira diferente. “Alguma delas está mais próxima de como estou naquele dia. Todas me modificam". Foi Blavatsky quem lhe ensinou o valor da entrega. Com Marguerite Porete, aprendeu o significado de amar: “Amar é servir”, reflete. Joana d’Arc a impacta com sua coragem precoce; Harriet Tubman, com sua determinação heroica; Hipátia, com a sabedoria que desafiava um mundo masculino. “Mulheres impressionantes, com clareza de propósito. A gente busca tanto isso na vida… talvez o meu propósito no teatro seja exatamente esse: trazer a voz dessas mulheres.”
No espetáculo, Beth também interpreta a Tecelã, figura que metaforiza o elo entre todas as épocas e falas. “Ela traz a essência da alma feminina do século XXI”, descreve. Como essa personagem, Beth aponta para um sentido maior: “Somos todas essa primeira estrela que levou luz ao azul profundo do céu. Não só as mulheres, mas todo ser humano que coloca a alma na ponta dos pés para tocar um céu de possibilidades buscando a ideia do bem para todos".
A metáfora da Tecelã ecoa com a definição que a filósofa Lúcia Helena Galvão dá de “conversa de borboletas”: aquele momento em que algo interno desperta com uma frase, uma imagem, um gesto. “Ânima traz essa conversa. As pessoas estão em busca da sua própria voz do silêncio, como fala Blavatsky. E a arte as ajuda a se encontrar.”
Para Beth, o mais importante em qualquer meio — seja teatro, cinema ou televisão — é a entrega. “Não importa o veículo. O ator tem que estar disponível para o personagem. Despir-se e vestir o outro". Ela estreará em breve como a mãe de Paulo em Paulo, O Apóstolo, e celebra a chance de vivenciar personagens dramáticos que a desafiem a sair do cotidiano. “Personagens bíblicos, por exemplo, trazem uma verdade enorme. Fazer mãe é sempre fazer verdade.”
Mesmo com o retorno ao audiovisual, o teatro segue sendo sua casa — e Ânima, sua bússola. “Nem a repetição tem essa conotação de você simplesmente estar repetindo. É você estar dando mais uma vez vida àquele personagem, como se fosse a primeira vez", declara. O reconhecimento do público só reforça a força do projeto. “Sempre casa cheia, uma alegria isso, estar no teatro dessa forma, levando essas mensagens".
“Estamos de olho em novos personagens e novas tramas. Em breve, vocês saberão. Mas Ânima ainda tem vida longa. E Blavatsky também", conclui, citando Helena Blavatsky, A Voz do Silêncio.
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